terça-feira, 14 de junho de 2011

Para Ler: Que tal, Drummond?

Por meio da leitura podemos conhecer muitas coisas diferentes, e para você que gosta de novidades leia tudo que estiver ao seu alcance: jornais, revistas, romances, crônicas, contos, poemas e também leia uma bula de remédio, pois até mesmo em uma bula podemos exercitar a nossa leitura.


A nossa indicação do dia é o poema Eu, Etiqueta do celebre autor Carlos Drummond de Andrade, importante nome da nossa literatura.



EU, ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome

Que não é meu de batismo ou de cartório

Um nome... estranho.

Meu blusão traz lembrete de bebida

Que jamais pus na boca, nessa vida,

Em minha camiseta, a marca de cigarro

Que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produtos

Que nunca experimentei

Mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido

De alguma coisa não provada

Por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

Minha gravata e cinto e escova e pente,

Meu copo, minha xícara,

Minha toalha de banho e sabonete,

Meu isso, meu aquilo.

Desde a cabeça ao bico dos sapatos,

São mensagens,

Letras falantes,

Gritos visuais,

Ordens de uso, abuso, reincidências.

Costume, hábito, permência,

Indispensabilidade,

E fazem de mim homem-anúncio itinerante,

Escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda.

É duro andar na moda, ainda que a moda

Seja negar minha identidade,

Trocá-la por mil, açambarcando

Todas as marcas registradas,

Todos os logotipos do mercado.

Com que inocência demito-me de ser

Eu que antes era e me sabia

Tão diverso de outros, tão mim mesmo,

Ser pensante sentinte e solitário

Com outros seres diversos e conscientes

De sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio

Ora vulgar ora bizarro.

Em língua nacional ou em qualquer língua

(Qualquer principalmente.)

E nisto me comparo, tiro glória

De minha anulação.

Não sou - vê lá - anúncio contratado.

Eu é que mimosamente pago

Para anunciar, para vender

Em bares festas praias pérgulas piscinas,

E bem à vista exibo esta etiqueta

Global no corpo que desiste

De ser veste e sandália de uma essência

Tão viva, independente,

Que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora

Meu gosto e capacidade de escolher,

Minhas idiossincrasias tão pessoais,

Tão minhas que no rosto se espelhavam

E cada gesto, cada olhar

Cada vinco da roupa

Sou gravado de forma universal,

Saio da estamparia, não de casa,

Da vitrine me tiram, recolocam,

Objeto pulsante mas objeto

Que se oferece como signo dos outros

Objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso

De ser não eu, mas artigo industrial,

Peço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é Coisa.

Eu sou a Coisa, coisamente.

Nesse poema, Drummond se refere às novas tendências que surgiam em sua época: o consumismo, o poder de uma marca, o desejo pelo logotipo no lugar do desejo pelo produto em si. Ele escreve como se estivesse se rendendo às marcas, virando uma propaganda ambulante ao vestir logotipos.

Caros leitores leiam e postem comentários, do que vocês acharam do poema!

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