segunda-feira, 13 de junho de 2011

Riqueza Cultural na fala e vida de um Nordestino: LITERATURA DE CORDEL


Patativa do Assaré
(Antônio Gonçalves da Silva)


Aos poetas clássicos


Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;

Se a gente canta o que pensa,

Eu quero pedir licença,

Pois mesmo sem português

Neste livrinho apresento

O prazê e o sofrimento

De um poeta camponês.



Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá
No verdô de minha idade,

Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.


No premêro livro havia
Belas figuras na capa,

E no começo se lia:
A pá — O dedo do Papa,

Papa, pia, dedo, dado,

Pua, o pote de melado,

Dá-me o dado, a fera é má

E tantas coisa bonita,

Qui o meu coração parpita
Quando eu pego a rescordá.

 
Foi os livro de valô

Mais maió que vi no mundo,

Apenas daquele autô

Li o premêro e o segundo;

Mas, porém, esta leitura,

Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,

Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu

Sarvação a Filisberto.



Depois que os dois livro eu li,
Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi

Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,

A minha lira servage
Canto o que minha arma sente

E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra

E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo

Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho

Não vá recebê carinho,

Nem lugio e nem istima,

Mas garanto sê fié
E não istruí papé

Com poesia sem rima.



Cheio de rima e sintindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura

Sem istrela e sem luá.



Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,

A minha resposta é esta:

— Sem a rima, a poesia

Perde arguma simpatia

E uma parte do primô;

Não merece munta parma,

É como o corpo sem arma

E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,

Qui faz poesia branca,

Não me chame de pateta

Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,

Sempre adorando as beleza

Das obra do Criadô,

Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a reva
Pintadinha de fulô.


Sou um caboco rocêro,

Sem letra e sem istrução;

O meu verso tem o chêro

Da poêra do sertão;

Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade

Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.

 
Deste jeito Deus me quis
E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lesma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma.
 
  
Para quem não conhece, Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré, nasceu numa pequena propriedade rural de seus pais em Serra de Santana, município de Assaré, no sul do Ceará, em 05-03-1909. Filho mais velho entre os cinco irmãos, começou a vida trabalhando na enxada. O fato de ter passado somente seis meses na escola não impediu que sua veia poética florescesse e o transformasse em um inspirado cantor de sua região, de sua vida e da vida de sua gente. Em reconhecimento a seu trabalho, que é admirado internacionalmente, foi agraciado, no Brasil, com o título de doutor "honoris causa" por universidades locais. Casou-se com D. Belinha, e foi pai de nove filhos. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956. Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais.
   
E, olha só como tudo começou:
 
Ele, fazia repentes enquanto capinava em Assaré - Ceará (onde morava). Depois, jovenzinho, recitava seus repentes que viraram ''poesia de cordel'' nas festas do sertão de Cariri, e foi aí que ele recebeu o apelido de PATATIVA (nome de um pássaro da região Nordestina), pela beleza musical de seus versos, semelhantes ao canto do pássaro que como ele, era pequeno, resistente e livre...  (trecho extraído de: Revista Língua Portuguesa)
 
 
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