terça-feira, 28 de junho de 2011

UM POETA MATOGROSSENSE. UM POETA NOSSO.

Eu imagino que você deve pensar muito em: “por que será que não ouvimos falar em poetas daqui? De pertinho da gente?" Talvez por que você ainda não conhece MANOEL DE BARROS.





"Nasci para administrar o à-toa / o em vão / o inútil", avisa o poeta Manoel de Barros numa espécie de profissão de fé. Ele sabe que "o poema é antes de tudo um inutensílio". Por isso seu ofício é inventar palavras, invadir o arco-íris, surpreender formigas.








Nascido em Cuiabá-MT em 1916, o poeta estreou em 1937 com o volume Poemas Concebidos sem Pecado. De lá para cá, já publicou quase duas dezenas de títulos e, a partir dos anos 80, conquistou a consagração. Os poemas de Manoel de Barros são marcados por uma sistemática irreverência com a lógica e o bom-comportamento das palavras. Seu trabalho é composto por uma poesia que "rola no chão" com os pequenos absurdos do dia-a-dia. Uma poesia marcadamente do interior, do Pantanal, que vive na proximidade de gente, bicho e planta. Uma poesia escrita por quem aprendeu sozinho que "uma árvore bem gorjeada passa a fazer parte dos pássaros que a gorjeiam".

Aprecie um de seus poemas:

SEIS OU TREZE COISAS QUE EU APRENDI SOZINHO

Com cem anos de escória uma lata aprende a rezar.

Com cem anos de escombros um sapo vira árvore e cresce por cima das pedras até dar leite.

Insetos levam mais de cem anos para uma folha sê-los.

Uma pedra de arroio leva mais de cem anos para ter murmúrios.

Em seixal de cor seca estrelas pousam despidas.

Mariposas que pousam em osso de porco preferem melhor as cores tortas.

Com menos de três meses mosquitos completam a sua eternidade.

Um ente enfermo de árvore, com menos de cem anos, perde o contorno das folhas.

Aranha com olho de estame no lodo se despedra.

Quando chove nos braços da formiga o horizonte diminui.

Os cardos que vivem nos pedrouços têm a mesma sintaxe que os escorpiões de areia.

A jia, quando chove, tinge de azul o seu coaxo.

Lagartos empernam as pedras de preferência no inverno.

O vôo do jaburu é mais encorpado do que o vôo das horas.

Besouro só entra em amavios se encontra a fêmea dele vagando por escórias...

A quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso.

Caracóis não aplicam saliva em vidros; mas, nos brejos, se embutem até o latejo.

Nas brisas vem sempre um silêncio de garças.

Mais alto que o escuro é o rumor dos peixes.

Uma árvore bem gorjeada, com poucos segundos, passa a fazer parte dos pássaros que a gorjeiam.

Quando a rã de cor palha está para ter — ela espicha os olhinhos para Deus.

De cada vinte calangos, enlanguescidos por estrelas, quinze perdem o rumo das grotas.

Todas estas informações têm soberba desimportância científica — como andar de costas.


Gostou? Saiba mais sobre ele nos livros:

Manoel de Barros
"Desejar Ser"
In Livro Sobre Nada (1966-1998)
Ed. Record, 3a. ed., Rio de Janeiro, 1996
"VII", "Seis ou Treze Coisas... (2)"
In Gramática Expositiva do Chão
(Poesia Quase Toda)
Ed. Civ. Brasileira, Rio de Janeiro, 1990


E, não se esqueça de nos contar o que achou dele, comentando!

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